Ao encontrar sua carta, corro para me deliciar com suas letras dedicadas a mim.
Rasgo o envelope como se ele me separasse de você.
Abro a carta com esperança tamanha que mal cabe em mim.
Mas não há nada lá.
Mais uma vez, sua carta está em branco. Suas palavras não vieram me confortar. Você não disse nada. Mais uma vez.
domingo, 24 de outubro de 2010
domingo, 10 de outubro de 2010
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Cântico Negro - José Régio
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha Mãe.
Não, não vou por ai! Só vou por onde Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, fdi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada! O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
- Sei que não vou por aí!
segunda-feira, 16 de agosto de 2010
olhos de céu
Tocou meu braço.
Olhei-a.
Rosto tão sereno e tão perdido.
Olhos de céu.
Que outro lugar poderias estar, se não no "mundo da lua", como julgam?
Lugar melhor que nossa pobre terra pobre.
Ofereceu-me um pouco de feijão.
Não, obrigada.
Perguntou-me algo que não entendi.
Respondi que sim.
Ela sorriu.
Sorriu com os olhos.
Com os olhos de céu.
Saiu sem se despedir.
Ficou sem se apresentar.
Adeus, velha menina.
Olhei-a.
Rosto tão sereno e tão perdido.
Olhos de céu.
Que outro lugar poderias estar, se não no "mundo da lua", como julgam?
Lugar melhor que nossa pobre terra pobre.
Ofereceu-me um pouco de feijão.
Não, obrigada.
Perguntou-me algo que não entendi.
Respondi que sim.
Ela sorriu.
Sorriu com os olhos.
Com os olhos de céu.
Saiu sem se despedir.
Ficou sem se apresentar.
Adeus, velha menina.
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
pontuação
Não houve um ponto final.
Ainda que dúvidas existam, nunca fostes um ponto de interrogação. Não há indagações claras.
Por um momento, acreditei que vivia um ponto de exclamação.
Só uma vírgula? Talvez. Talvez não.
Nos meus sonhos, seriam dois pontos.
Mas o que há realmente são as reticências... Sempre ali... Deixando escondido, calado, subentendido...
ponto ponto ponto
Ainda que dúvidas existam, nunca fostes um ponto de interrogação. Não há indagações claras.
Por um momento, acreditei que vivia um ponto de exclamação.
Só uma vírgula? Talvez. Talvez não.
Nos meus sonhos, seriam dois pontos.
Mas o que há realmente são as reticências... Sempre ali... Deixando escondido, calado, subentendido...
ponto ponto ponto
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
fim
O toque gelado da arma na testa foi como um despertador para o que estava acontecendo. Cerca de meio segundo para a bala sair da arma. Quanto tempo para atravessar minha cabeça? Tempo suficiente para assistir o famoso filme da minha vida.
Oh, Deus! Eu vou morrer! Mais ainda - vou deixar de viver! E todas as coisas que deixei de fazer? O lixo deveria ter sido colocado lá fora.... E tudo que eu deveria ter dito a você. Coisas que você nunca vai saber.
Será que você chega aqui antes que meu corpo esteja sem alma? Dizem que a audição é o último sentido que morre...Queria ter tua voz como último rastro de vida em mim
Meu assassino fala comigo. Não quero ouvir. Sei que nada vai adiantar. Chegou a hora. Não ouço nada. Acho que era mentira, a audição é o primeiro sentido a morrer.
O gelo deixou minha testa.
Salvação.
Soco quente no nariz.
Ilusão.
Visão da arma olhando para mim.
Concluo.
O trajeto da bala até mim.
Chão.
menino
Uma sacola amarrada por uma linha.
A sacola colocada para fora do ônibus.
A outra ponta da linha segurada por pequenas mãos.
Tão simples brincadeira.
Nos olhos do menino o sentimento que há tempos não reconhecia: felicidade genuína.
A sacola colocada para fora do ônibus.
A outra ponta da linha segurada por pequenas mãos.
Tão simples brincadeira.
Nos olhos do menino o sentimento que há tempos não reconhecia: felicidade genuína.
terça-feira, 27 de julho de 2010
Meninas
"Um professor disse para a menina que só havia um jeito de compreender o Universo. Ela devia pensar numa esfera dentro de uma esfera maior, dentro de uma esfera ainda maior, dentro de uma esfera maior ainda, até chegar a uma grande esfera que incluiria todas as outras, e que por sua vez estaria dentro da esfera menor. A menina então entendeu que a sua melhor amiga Rute tinha razão, era preciso botar o CEP. Num universo assim, era preciso fixar um detalhe para você nunca se perder. Nem que o detalhe fosse a mancha no teto do seu quarto com o perfil da tia Corinha, a que queria ser freira e acabara sendo oceanógrafa.
A menina disse para a Rute que era preciso escolher um detalhe da sua vida, em torno do qual o Universo se organizaria. Cada pessoa precisava escolher um momento, uma coisa, uma espinha no rosto, uma frase, um veraneio, um quindim, uma mancha no teto - um lugar no Universo em que pudesse ser encontrada, era isso.
- Pirou - disse a Rute."
trecho de "Meninas", de Luís Fernando Veríssimo
sábado, 24 de julho de 2010
sempiterno.
A proximidade entre os dois aumentava enquanto o espaço entre eles diminuía. Ela já podia sentir a respiração dele e já não sabia quem - ele ou ela - respirava naquele momento. Talvez a respiração dos dois tornara-se uma só. Um inspirava o que o outro expirava, um sentia o ar que entrava no pulmão do outro, inspiravam agora o mesmo oxigênio, expiravam serenidade e ansiedade.
O primeiro toque não descobrira a boca de imediato. Fora um beijo de almas. Ela sentira o que não poderia ver. Entre eles havia uma vibração que saía daquele pequeno espaço e atingia o mundo todo. Ela sentia a humanidade sendo banhada pela luz que saía do "quase contato físico".
Finalmente as bocas se encontraram. O beijo. O coração disparado era inevitável. Mas este fora o mais simplório dos sintomas. Era estranho o que sentira. O beijo trouxera para sua boca um gosto de sangue.
Poucos segundos, mas que permitiram-lhe uma avalanche de pensamentos. Sangue? Sim, mas não o sangue de morte - gosto de sangue de quem morre ou que mata. É sangue que mostra a vida. Sangue que corre nas veias e bombeia o coração. Isso lá é hora de fazer poesia?
Seu sangue aquecera todo o seu corpo. Dualidade do que aquece e queima; do que é docemente amargo; do que é lindamente triste; do que é belo sem rosto; do que é uma antiga novidade; do que mata vivendo e vive morrendo; do que traz prazer com seu veneno, veneno que mata com satisfação da vítima e do matador - mais satisfação daquele ou desse? Saudade de sentir o que nunca vivera antes. Sentimentos?
Lentamente as bocas se desgrudavam. Os pensamentos ainda dominavam sua cabeça. Nada disse. Nada ouviu. Falou com os olhos. Obteve resposta. Sentiu vontade de chorar. Sorriu, entretanto. Arrepio no braço. Frio? Alguém chamou seu nome. Hora de ir. Despedida sofrida. No fundo, não queriam se separar. No sentido mais amplo da expressão.
Saiu de lá acompanhada da certeza de que nunca mais se veriam. Como eu sei? Eu só sei.
quarta-feira, 21 de julho de 2010
explicações de um amigo
Querida,
Desculpe-me, anjo meu. Não pude tratá-lo de outra forma. Talvez se o atentado fosse contra mim, conseguisse ignorar o fato esquecer a dor. Mas sabendo que teu coração foi partido porque ele partiu; sabendo que aquele ser é responsável pelo teu sofrer; sabendo que as lágrimas que não consigo conter saem de ti porque ele não consegue te dar a felicidade que mereces; sabendo que não sei o que fazer para salvar-te do abismo da dor; não consegui.
Tratei-o sem amabilidade ou educação. Agi como se nunca tivesse sido educado e conhecedor das boas maneiras. Só não agi como um animal irracional, ataquei-o e dei-lhe uma surra ali mesmo porque... porque... não sei porque. Deveria ter feito.
Perdoe-me. Sei que não aprovas esse meio violento de resolução dos problemas. Sou pacífico também, bem sabes disso, mas compreenda... há momentos em que o instinto fala mais que a razão. Fique calma. Não o fiz. A agressão aplicada foi totalmente verbal. Pensei em ti quando quis vê-lo morto. Pensei na sua decepção ao saber do meu feito. Pensei na sua dor maximizada por responsabilidade minha. Pensei que queria vê-lo morto, mas então pensei se seu luto mortal valeria a minha felicidade pela destruição letal dele. Não. Ver-te sofrer me mata. Mata-me de morte mais mortal que a morte física dele.
Espero ansiosamente o dia em que não mais desejarei o mal do sujeito supracitado e somente estarei em estado de felicidade por saber que não mais o amas e que não mais sofres pela dor desse amor. Sinto-te como parte de mim, talvez a melhor. Desejo tua felicidade com mais fervor do que à minha própria. Desejo que entendas o que preciso fazer.
Com grande amor,
.
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