terça-feira, 27 de julho de 2010

Meninas

    "Um professor disse para a menina que só havia um jeito de compreender o Universo. Ela devia pensar numa esfera dentro de uma esfera maior, dentro de uma esfera ainda maior, dentro de uma esfera maior ainda, até chegar a uma grande esfera que incluiria todas as outras, e que por sua vez estaria dentro da esfera menor. A menina então entendeu que a sua melhor amiga Rute tinha razão, era preciso botar o CEP. Num universo assim, era preciso fixar um detalhe para você nunca se perder. Nem que o detalhe fosse a mancha no teto do seu quarto com o perfil da tia Corinha, a que queria ser freira e acabara sendo oceanógrafa.
     A menina disse para a Rute que era preciso escolher um detalhe da sua vida, em torno do qual o Universo se organizaria. Cada pessoa precisava escolher um momento, uma coisa, uma espinha no rosto, uma frase, um veraneio, um quindim, uma mancha no teto - um lugar no Universo em que pudesse ser encontrada, era isso.
     - Pirou - disse a Rute."


trecho de "Meninas", de Luís Fernando Veríssimo

sábado, 24 de julho de 2010

sempiterno.

   A proximidade entre os dois aumentava enquanto o espaço entre eles diminuía. Ela já podia sentir a respiração dele e já não sabia quem - ele ou ela - respirava naquele momento. Talvez a respiração dos dois tornara-se uma só. Um inspirava o que o outro expirava, um sentia o ar que entrava no pulmão do outro, inspiravam agora o mesmo oxigênio, expiravam serenidade e ansiedade.
   O primeiro toque não descobrira a boca de imediato. Fora um beijo de almas. Ela sentira o que não poderia ver. Entre eles havia uma vibração que saía daquele pequeno espaço e atingia o mundo todo. Ela sentia a humanidade sendo banhada pela luz que saía do "quase contato físico".
   Finalmente as bocas se encontraram. O beijo. O coração disparado era inevitável. Mas este fora o mais simplório dos sintomas. Era estranho o que sentira. O beijo trouxera para sua boca um gosto de sangue.   
   Poucos segundos, mas que permitiram-lhe uma avalanche de pensamentos. Sangue? Sim, mas não o sangue de morte - gosto de sangue de quem morre ou que mata. É sangue que mostra a vida. Sangue que corre nas veias e bombeia o coração. Isso lá é hora de fazer poesia?
   Seu sangue aquecera todo o seu corpo. Dualidade do que aquece e queima; do que é docemente amargo; do que é lindamente triste; do que é belo sem rosto; do que é uma antiga novidade; do que mata vivendo e vive morrendo; do que traz prazer com seu veneno, veneno que mata com satisfação da vítima e do matador - mais satisfação daquele ou desse? Saudade de sentir o que nunca vivera antes. Sentimentos? 
   Lentamente as bocas se desgrudavam. Os pensamentos ainda dominavam sua cabeça. Nada disse. Nada ouviu. Falou com os olhos. Obteve resposta. Sentiu vontade de chorar. Sorriu, entretanto. Arrepio no braço. Frio? Alguém chamou seu nome. Hora de ir. Despedida sofrida. No fundo, não queriam se separar. No sentido mais amplo da expressão.
   Saiu de lá acompanhada da certeza de que nunca mais se veriam. Como eu sei? Eu só sei.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

explicações de um amigo

Querida,

     Desculpe-me, anjo meu. Não pude tratá-lo de outra forma. Talvez se o atentado fosse contra mim, conseguisse ignorar o fato  esquecer a dor. Mas sabendo que teu coração foi partido porque ele partiu; sabendo que aquele ser é responsável pelo teu sofrer; sabendo que as lágrimas que não consigo conter saem de ti porque ele não consegue te dar a felicidade que mereces; sabendo que não sei o que fazer para salvar-te do abismo da dor; não consegui.
     Tratei-o sem amabilidade ou educação. Agi como se nunca tivesse sido educado e conhecedor das boas maneiras. Só não agi como um animal irracional, ataquei-o e dei-lhe uma surra ali mesmo porque... porque... não sei porque. Deveria ter feito.
     Perdoe-me. Sei que não aprovas esse meio violento de resolução dos problemas. Sou pacífico também, bem sabes disso, mas compreenda... há momentos em que o instinto fala mais que a razão. Fique calma. Não o fiz. A agressão aplicada foi totalmente verbal. Pensei em ti quando quis vê-lo morto. Pensei na sua decepção ao saber do meu feito. Pensei na sua dor maximizada por responsabilidade minha. Pensei que queria vê-lo morto, mas então pensei se seu luto mortal valeria a minha felicidade pela destruição letal dele. Não. Ver-te sofrer me mata. Mata-me de morte mais mortal que a morte física dele.
     Espero ansiosamente o dia em que não mais desejarei o mal do sujeito supracitado e somente estarei em estado de felicidade por saber que não mais o amas e que não mais sofres pela dor desse amor. Sinto-te como parte de mim, talvez a melhor. Desejo tua felicidade com mais fervor do que à minha própria. Desejo que entendas o que preciso fazer.
Com grande amor,
.

sábado, 17 de julho de 2010

vidas separadas

Queria eu continuar amando-te com aquela genuína amizade de quem dá amor sem esperar nada em troca.
Queria eu convidar-te para a minha vida pelo simples prazer de ter-te ao meu lado.
Queria eu não sentir culpa por não me sentir tão a vontade como antes ao estar contigo.
Queria eu dizer-te meus segredos como quem diz qualquer coisa sobre o tempo.
Queria eu que nossas vidas, involuntariamente, não tivessem se distanciado tanto.
Queria eu que nossos pensamentos ainda fossem diferentes mas, mesmo assim, conseguissem conviver juntos.
Queria eu ser ainda parte de ti e tu parte de mim.
Queria eu te amar sem culpa por não te amar como já te amei..
Queria eu pensar que pudesses ser parte do meu futuro como fostes do passado, mesmo que não esteja mais como esteve - no presente.
Sem culpa minha, sem culpa sua, não somos mais o que fomos.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

texto ruim que ficou guardado no meu caderno por um tempo.

O bom de não ter pra onde ir é também não ter a decepção por não chegar.
O mágico de não saber nada é aprender qualquer coisa com qualquer merda.
O bonito em não se sentir dono de ninguém é ter a certeza de nunca sentir que perdeu ninguém.
Viver no nada faz qualquer acontecimento subitamente se tornar tudo.
Não sentir nada faz o perfume de uma flor  ser a melhor sensação do mundo.
Ser sozinho aflora o encanto de todos os outros.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

breve contato

Com papéis e um lápis preto ele rodava o mundo. Não morava em lugar nenhum, todos os lugares do mundo moravam nele. Não falava com sotaque algum, porque todos os sotaques do mundo falavam dele.
No pior lugar em que poderia estar, encontrara um grupo de estranhos universitários que riam e bebiam num canto da praça. Tantas coisas se passavam em sua cabeça que ele nem notara tudo o que contava a eles. Naquele momento sua vida não era mais uma vida - era a mais bela história do mundo que fazia dos olhos daqueles jovens faróis iluminados.
Ele nunca vai imaginar o quanto ensinou, mas eles sabem o quanto aprenderam. Uma vida toda mostrada/ensinada/ilustrada em um espaço de tempo tão curto - a pintura de um quadro - a pintura de uma vida.



Algum dia de novembro de 2009.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Ausência total de inspiração.
Temporariamente.
(Pelo menos assim eu espero.)